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Mostrando postagens de junho, 2017

Lamentos para os dias de verão

vejo o sol que se coloca à frente da tua cara pontilhando minúsculas estrelas prateadas em teu rosto em teus cabelos de noite uma sombra cumprida que se estende em abraço de serpente ferro frio na garganta e desencontro eu tenho medo vejo as plantas que se movem de joelhos ao teu desejo, súdito e irmão da primavera o seu corpo: tronco sólido sinaleiro dos navegantes aventureiros de outras terras e do teu fruto quase maduro à florescer pelos deserto e eu tenho medo vejo o mar que corre ao teu encontro, palácios de maravilhas às tuas praias, um príncipe santíssimo nascido da espuma e banhado pelo sol de junho à iluminar a tua cara, vento e areia interminável, as plantas todas dispostas em cor a coroar teu cabelo de anjo, um sonho travestido em luz e verão e eu ainda tenho medo.

Considerações ao Ipê

tudo flui tudo passa tudo acaba nas horas que ele amanhece em flor em luz natural de pé, altivo estendendo os braços sobre os pequenos homens de concreto apressados em suas infinitas caras públicas, ele, imóvel e resplandecente impondo sua espera e sua semelhança às cercas aos muros as estradas povoadas da sua classe-verde e silenciosa, fiandeiras do tempo em cor, guardiãs antiquissimas dos mistérios da terra e dos bichos, conselheiras e avós da magia calada que são as fragilidades intrínsecas do homem, pedra ou flor.

o amor das coisas

te procuro com sede, insone e descalço pelas imensas madrugadas de luzes escancaradas que flutuam na direção do tiro do hiato ocasional às beiradas do tempo e da conjuntura astrológica dos afetos mal-cozidos fogo brando aquece a angústia no peito latino inadvertido do perigo da solidão num sopro, num grito dissonante pontilhado pela aridez branca e gelida dos aparelhos domésticos inanimados o uivo que dissolve em espanto as camadas e camadas de noites que virão de te buscar e te perder no gesto insinuoso das curvas da minha geladeira

Projétil Vermelho

Qual o bom em mim que te entrego, que me despeço, sem nem ao menos suscitar a viagem, a subida, os quilômetros de pele que nos separa, o obscuro caminho ante o deserto e a ponte, monumento aditivo daquelas águas largas que nascem do pranto, do canto cinza das aves-marinhas em manhãs opacas, do lamento puro das vozes às fissuras do crânio. Do fogo, eletricidade máxima e tensão. Inexplicável alegria nos nervos que te sustentam, ali de pé sob a chuva, um projétil balístico, eternos casos lançados pelo tempo.Tempestades inteiras suportadas pelo arrastar da roda ociosa dos dias. Um campo de batalha no front e. Deus vermelho das chamas e do ardor sem-fim. Flecha certeira na noite, alvo e mira.

Outras Coisas e o Vento

Sente, sente o vento, ta sentido? Uma brisa leve, rodopiando, desmanchando os caracóis dos teus cabelos castanhos, ou eram negros, ou eram simplesmente libertos pro mundo e pro diabo? O diabo, nosso famigerado amigo, íntimo em quase todas as noites de quinta. O vizinho que Deus nos apresentou. Em algum lugar azul. Sente, sente o vento, ta sentindo? Um clamor pelas coisas da tua terra, um tratado pelas maravilhas do espírito, um aceno sonâmbulo ás cinco da matina enquanto ninguém está vendo. Sente, sente o vento, ta sentindo? Um barulho perdido no hiperespaço do cosmos ao ventre de uma estrela-anã em ascensão, o caminho pontilhado dos astros, rei metafísico esculpido em dilemas de prata e luz, Órion perdido de amor, três vezes três em abençoado remorso, canção e reverência interminável. No vento, um carinho meu você pode sentir?

O Sambista e o Vento

O sambista, sensível às transparências do mundo, caminha absorto, melodia projetada nos lábios. Foram muitas e muitas horas aos tropeços pela madrugada e há tantas que já não mais se sabe do sambista, muito menos do seu próprio samba. Aquela coisa quente que ilumina o corpo e a garganta e aquece e aproxima letra e lábio. O samba, dizem, tem parentesco com o vento e carrega no sopro pequenas alegrias. Pode-se medir um homem inteiro pelo seu samba - afirmam alguns... O vento curioso da melodia do homem fica encantado pela semelhança da dança das bocas, mas tímido como é, se apresenta humilde como brisa leve como um carinho inesperado às barbas do sambista. E sussurra baixinho: - toc-toc sambista! O sambista, agora desperto para as excentricidades do mundo, quase nada ou muito pouco surpreso, responde: - Quem é? - O vento! Vim soprar para você! E como todo homem sensível o sambista se dispõe novamente a cantarolar atirando sua música ao vento, que encantado pela melodia apressada d